quinta-feira, 9 de abril de 2009

MÁRCIA LUÇAS - "babel"


opacos territórios entre transparências

Numa arquitectura de células-ideias, Márcia Luças, estrutura um trabalho sobre a informação, os códigos, os ruídos e as interferências… a partir de um seccionamento crítico e analítico de experiências quotidianas de comunicação ou de tentativas de passagem de informação.
Essa análise é materializada em diferentes ambientes criados em pequenas caixas, sendo cada um dedicado a uma ideia relacionável com trabalhos anteriores. Assim se reconhece o tema e a composição de tiny golden key, obra que é, de vários modos, chave: pela ligação que estabelece com as séries reversível e paraíso mais tarde; e, ainda, na medida em que proporciona o acesso à trama visual e à lógica estrutural que aqui nos convoca.
A transparência tem, sem dúvida, um papel fundamental, no sentido global da instalação, pela interacção visual que provoca entre os diferentes elementos de uma construção que se ergue irregular e assimétrica. As sobreposições de desenhos e colagens ou a interferência dos vários objectos (que compõem cada unidade da instalação) no trajecto de visualização uns dos outros conduzem a uma nova composição, uma re-figuração em que se mantêm visíveis cada uma das originais figurações mas se faz ver uma outra resultante da conjugação delas.
No registo interpretativo, a transparência proporciona deslocamentos e alterações sequenciais que arrastam ou induzem a circulação e integração de um determinado signo num outro contexto ou circunstância; deste modo, é sugerido ao observador uma reflexão sobre sua intervenção na construção de algo que se admite como ficção mas, também, sobre a sua intervenção na construção daquilo que admite como real e, enfim, sobre a interdependência dos dois níveis.
Pela mesma via e, ainda, pela relação entre leves opacidades, se compreende a razão da recuperação e persistência de objectos e imagens que Márcia Luças, inscreve, em babel, num novo campo de significações. São reincorporados em sequências temáticas no cruzamento das quais funcionam, simultaneamente, como termos de vários discursos que a verticalidade, a horizontalidade ou a obliquidade permitem apreender, segundo as diferentes direcções e sentidos percorridos. Encontramos a linha condutora dessas narrativas, aludida ou explicitamente indicada, de novo, através da interacção das caixas/ambientes com as pequenas telas que, por sua vez, também se apresentam expandidas como suporte e veículo expressivo, pela subversão na utilização das superfícies e pela habilitação plástica da grade e do espaço do reverso.
Por vezes, as sobreposições levam à subjugação de registos, recortes e desenhos parecendo competir até ao limite do negro que tudo poderia absorver. Contudo, aqui, o negro afirma-se não-silêncio, pleno de todas as reverberações. Tumulto em quietude, prenuncia-se chave de um outro código e, como metáfora, coordena-se com os efeitos de sombras criados pelas fontes de luz no interior de algumas caixas/ambientes.
A instalação que se expande, simultaneamente frágil e invasora, inclui uma perspectiva crítica que admite a possibilidade de uma outra montagem, de uma outra organização final, e pressupõe uma abertura permanente do sentido: as infindáveis relações de ordem possíveis pertencem ao observador.
No seu conjunto, a acumulação de imagens, signos e símbolos, e a implícita sugestão de caos, induz uma reflexão sobre graus de iconicidade, sobre as linguagens, sobre o que pode ser comum e partilhado. Utilizando uma estratégia que inclui a contradição - se analisa e isola um trecho de realidade também sobrepõe e confunde – Márcia Luças convida a um jogo combinatório que pode levar a uma interrogação sobre o que cada um faz emergir dessa constelação de informações ou sobre a relação objectivo-subjectivo, exigindo do observador a consciência de que qualquer relação forma/fundo, qualquer identificação de mensagem, está em permanente ajustamento e depende de uma hierarquização de pormenores cujo processo lhe cabe compreender.

Maria Leonor Barbosa Soares

Márcia Luças-tenho coração (tela reversível)-técnica mista sobre tela-30x30 cm-2009


Márcia Luças-esta é a chave (tela reversível)-técnica mista sobre tela-30x30 cm-2009


Márcia Luças-paixões-técnica mista sobre tela e caixa de acrílico de 18 cm de aresta-dimensões variáveis-2009


Márcia Luças-tiny golden key-técnica mista sobre tela-120x100 cm-2008


Márcia Luças-babelopolis-técnica mista sobre caixa de acrílco-2009


Márcia Luças-Sem Título-técnica mista sobre 19 caixas de acrílico de 18 cm de aresta tela-2009


Márcia Luças-Sem Título-técnica mista sobre 12 caixas de acrílico-2009